terça-feira, 2 de outubro de 2012

QUESTÃO RACIAL E UNIVERSIDADE


Secretaria de Educação do Estado do Pará
EE Maria Gabriela Ramos de Oliveira




AÇÕES AFIRMATIVAS PARA NEGROS NO BRASIL:
AS COTAS RACIAIS DE ACESSO ÀS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL

Profº Antônio Márcio Paiva

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, na ausência do pai, D. Pedro II, e pressionada pelos setores abolicionistas assinou a Lei Áurea, libertando os escravos no Brasil. No entanto, vale salientar que a lei áurea não extinguiu a escravidão no Brasil. O que ela fez foi tornar livres os escravos por um período de cem anos. Decorrido esse prazo, e somente no governo do presidente José Sarney, esta lei foi revogada e a escravidão declarada extinta definitivamente.
A redação “cautelosa” do texto legal demonstra a clara preocupação em aplacar os donos de escravos para que continuassem a apoiar o império vacilante, uma vez que esse grupo constituiu a base política do Segundo Reinado.
O governo procurava não descontentar a maioria dos proprietários. Dessa forma, os debates acerca da transição para o trabalho livre e as ações governamentais gravitavam em torno do quanto de indenização seria paga a esses proprietários.
Assim, se omitia dos debates os principais sujeitos atingidos pela escravidão no Brasil: os próprios escravos. Que no período pós-abolição foram “largados” à própria sorte pelo governo.
Não que não houvesse vozes favoráveis à integração plena dos ex-cativos à sociedade brasileira. Pois havia aqueles que criticavam fortemente as leis governamentais, como o deputado Joaquim Nabuco, um dos principais líderes do movimento abolicionista. Para ele, era urgente implementar um projeto que não só trouxesse a liberdade para os cativos como também permitisse integrá-los como cidadãos a sociedade.
No entanto, não foi isso que se viu. Após a abolição, a vida dos negros não sofreu muitas alterações, uma vez que não houve uma preocupação de integrá-los à sociedade. Alguns conseguiram empregos precários nas regiões rurais ou então se dirigiram às cidades, formando uma mão de obra marginalizada. Como o mercado de trabalho nas cidades não conseguiu absorver todo o contingente foi grande o número de desempregados e subempregados. Todos considerados, na época, preguiçosos, malandros e vadios pela parcela “branca” da sociedade. Esses juízos de valor que de certa forma persistem, numa evidência de que o preconceito é continuamente alimentado por uma situação de inferioridade social. A esse respeito escreve Florestan Fernandes:
“Como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20).
Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas se abriam, pois... 
“vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita, meios para salvar as aparências e a dignidade de homem livre” (FERNANDES, 1978: 20).
Portanto, pela interpretação de Florestan, a inexistência de um plano de incorporação do negro, elaborado pela sociedade que o libertou, com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi fator importante que contribuiu para sua marginalidade social.
Dessa forma, fica claro que, o negro sofreu uma desvantagem histórica na sociedade brasileira. Primeiramente com a escravidão, e, posteriormente, mesmo com o fim da escravidão no Brasil, gerações inteiras foram colocadas à margem da sociedade. “As senzalas cederam lugar as favelas”.
Hoje, a herança da escravidão africana é visível. Entre 40% e 60% da população brasileira possui ascendência africana. Essa proporção de afrodescendentes transforma o Brasil no segundo país negro do mundo, superado somente pela Nigéria, por sua vez o mais populoso país africano.
Todos os indicadores sociais ilustram números que enquadram o Brasil como um país com uma segregação racial não declarada.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 63% são negros. De 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros.
Em 1995, a expectativa de vida de um brasileiro, segundo o IBGE, era de 64 anos de idade para homens e 70 anos para as mulheres. No entanto, a pesquisadora Maria Inês Barbosa, da Universidade de São Paulo, constatou que, na cidade de São Paulo, os negros não chegam a atingir essa idade. Segundo ela, 63% dos homens negros e 40% das mulheres negras morrem antes de completar 50 anos.
No que se refere à área da educação a situação não é menos caótica. Do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes orientais. De acordo com estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1999, a taxa de analfabetismo é três vezes maior entre negros.
Nesse quadro é que se insere a política de cotas, como uma medida compensatória, que objetiva reverter esse quadro de injustiça e desigualdades raciais, a fim de se corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado.
Mas, ao contrário do que possa parecer, tais ações afirmativas não são concebidas gratuitamente pelo “governo”, não se constituem em uma benesse do Estado. São conquistadas pelos movimentos sociais engajados nas lutas por seus direitos.
As ações afirmativas também não são nenhuma novidade em nosso país. A primeira aprovação de uma lei de cotas remonta a 1931, no governo Getúlio Vargas, ainda hoje presente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Num passado mais recente, na vigência da Constituição de 1988, introduziram-se cotas para portadores de deficiência, para a mulher, para empresas de capital nacional. Todas essas ações afirmativas não geraram polêmica, no entanto, quando às ações afirmativas são aplicadas para beneficiar a população negra, observa-se com frequência criticas.
Tal reação contrária ao programa de cotas para negros na universidade comprova de certa forma a existência de um racismo cordial no Brasil. Pois, enquanto a parcela negra da população mantinha-se “em seu lugar”, tudo estava bem. Agora com a visibilidade gerada pelo debate a respeito das cotas, a questão do racismo veio à tona. Ainda que o programa de cotas venha contribuir com conflitos nas relações raciais de forma declarada, isso pode significar o primeiro passo para a sua superação definitiva, pois só é possível superar um problema depois de identificá-lo. No caso brasileiro a visibilidade dada ao problema do racismo é fundamental, uma vez que, na sociedade brasileira o racismo é dissimulado, mascarado, velado, porém eficiente. É a “suposta” democracia racial. Como se pode constatar no fato de que o progresso educacional de um negro brasileiro é inferior ao do negro sul-africano da época do apartheid e dos negros nos Estados Unidos da época da segregação racial.
A legislação brasileira já reconhece a importância das ações afirmativas enquanto passo inicial para a incorporação plena do cidadão negro a sociedade. A lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, por exemplo, questiona e refuta a democracia racial, por conseguinte reconhece a dominação social que existe no Brasil, na medida em que reintera o papel do Estado, como mecanismo capaz de intervir e arbitrar favoravelmente em prol das garantias das oportunidades.

BIBLIOGRAFIA
DOMINGUES, Petrônio. Ações afirmativas para negros no Brasil: o início de uma reparação histórica. In: Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago, 2005.
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática,
1978, Vol. I e II. Jornal da USP, (1998). São Paulo, 5 a 11 out., p.7.


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