Secretaria de Educação do Estado do Pará EE Maria Gabriela Ramos de Oliveira |
AÇÕES
AFIRMATIVAS PARA NEGROS NO BRASIL:
AS COTAS
RACIAIS DE ACESSO ÀS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL
Profº Antônio Márcio Paiva
Em 13 de maio de 1888, a princesa
Isabel, na ausência do pai, D. Pedro II, e pressionada pelos setores
abolicionistas assinou a Lei Áurea, libertando os escravos no Brasil. No
entanto, vale salientar que a lei áurea não extinguiu a escravidão no Brasil. O
que ela fez foi tornar livres os escravos por um período de cem anos. Decorrido
esse prazo, e somente no governo do presidente José Sarney, esta lei foi
revogada e a escravidão declarada extinta definitivamente.
A redação “cautelosa” do texto
legal demonstra a clara preocupação em aplacar os donos de escravos para que
continuassem a apoiar o império vacilante, uma vez que esse grupo constituiu a
base política do Segundo Reinado.
O governo procurava não
descontentar a maioria dos proprietários. Dessa forma, os debates acerca da
transição para o trabalho livre e as ações governamentais gravitavam em torno
do quanto de indenização seria paga a esses proprietários.
Assim, se omitia dos debates os
principais sujeitos atingidos pela escravidão no Brasil: os próprios escravos.
Que no período pós-abolição foram “largados” à própria sorte pelo governo.
Não que não houvesse vozes
favoráveis à integração plena dos ex-cativos à sociedade brasileira. Pois havia
aqueles que criticavam fortemente as leis governamentais, como o deputado
Joaquim Nabuco, um dos principais líderes do movimento abolicionista. Para ele,
era urgente implementar um projeto que não só trouxesse a liberdade para os
cativos como também permitisse integrá-los como cidadãos a sociedade.
No entanto, não foi isso que se
viu. Após a abolição, a vida dos negros não sofreu muitas alterações, uma vez
que não houve uma preocupação de integrá-los à sociedade. Alguns conseguiram
empregos precários nas regiões rurais ou então se dirigiram às cidades,
formando uma mão de obra marginalizada. Como o mercado de trabalho nas cidades
não conseguiu absorver todo o contingente foi grande o número de desempregados
e subempregados. Todos considerados, na época, preguiçosos, malandros e vadios
pela parcela “branca” da sociedade. Esses juízos de valor que de certa forma
persistem, numa evidência de que o preconceito é continuamente alimentado por
uma situação de inferioridade social. A esse respeito escreve Florestan
Fernandes:
“Como não se manifestou nenhuma
impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a
legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o negro (como
pessoa e como grupo) nessa fase de transição, viver na cidade pressupunha, para
ele, condenar-se a uma existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20).
Segundo Florestan, para os negros
e os mulatos apenas duas portas se abriam, pois...
“vedado o caminho da
classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar a
incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento ou abater-se
penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem sistemática ou na
criminalidade fortuita, meios para salvar as aparências e a dignidade de homem
livre” (FERNANDES, 1978: 20).
Portanto, pela interpretação de
Florestan, a inexistência de um plano de incorporação do negro, elaborado pela
sociedade que o libertou, com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi
fator importante que contribuiu para sua marginalidade social.
Dessa forma, fica claro que, o
negro sofreu uma desvantagem histórica na sociedade brasileira. Primeiramente
com a escravidão, e, posteriormente, mesmo com o fim da escravidão no Brasil,
gerações inteiras foram colocadas à margem da sociedade. “As senzalas cederam
lugar as favelas”.
Hoje, a herança da escravidão
africana é visível. Entre 40% e 60% da população brasileira possui ascendência
africana. Essa proporção de afrodescendentes transforma o Brasil no segundo
país negro do mundo, superado somente pela Nigéria, por sua vez o mais populoso
país africano.
Todos os indicadores sociais
ilustram números que enquadram o Brasil como um país com uma segregação racial
não declarada.
De acordo com o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem
abaixo da linha da pobreza, 63% são negros. De 22 milhões de brasileiros que
vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros.
Em 1995, a expectativa de vida de
um brasileiro, segundo o IBGE, era de 64 anos de idade para homens e 70 anos
para as mulheres. No entanto, a pesquisadora Maria Inês Barbosa, da
Universidade de São Paulo, constatou que, na cidade de São Paulo, os negros não
chegam a atingir essa idade. Segundo ela, 63% dos homens negros e 40% das
mulheres negras morrem antes de completar 50 anos.
No que se refere à área da
educação a situação não é menos caótica. Do total dos universitários, 97% são
brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes orientais. De acordo com
estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1999,
a taxa de analfabetismo é três vezes maior entre negros.
Nesse quadro é que se insere a política
de cotas, como uma medida compensatória, que objetiva reverter esse quadro de
injustiça e desigualdades raciais, a fim de se corrigir os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado.
Mas, ao contrário do que possa
parecer, tais ações afirmativas não são concebidas gratuitamente pelo
“governo”, não se constituem em uma benesse do Estado. São conquistadas pelos
movimentos sociais engajados nas lutas por seus direitos.
As ações afirmativas também não
são nenhuma novidade em nosso país. A primeira aprovação de uma lei de cotas
remonta a 1931, no governo Getúlio Vargas, ainda hoje presente na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Num passado mais recente, na vigência da
Constituição de 1988, introduziram-se cotas para portadores de deficiência,
para a mulher, para empresas de capital nacional. Todas essas ações afirmativas
não geraram polêmica, no entanto, quando às ações afirmativas são aplicadas
para beneficiar a população negra, observa-se com frequência criticas.
Tal reação contrária ao programa
de cotas para negros na universidade comprova de certa forma a existência de um
racismo cordial no Brasil. Pois, enquanto a parcela negra da população
mantinha-se “em seu lugar”, tudo estava bem. Agora com a visibilidade gerada
pelo debate a respeito das cotas, a questão do racismo veio à tona. Ainda que o
programa de cotas venha contribuir com conflitos nas relações raciais de forma
declarada, isso pode significar o primeiro passo para a sua superação
definitiva, pois só é possível superar um problema depois de identificá-lo. No
caso brasileiro a visibilidade dada ao problema do racismo é fundamental, uma
vez que, na sociedade brasileira o racismo é dissimulado, mascarado, velado,
porém eficiente. É a “suposta” democracia racial. Como se pode constatar no
fato de que o progresso educacional de um negro brasileiro é inferior ao do
negro sul-africano da época do apartheid e dos negros nos Estados Unidos da
época da segregação racial.
A legislação brasileira já
reconhece a importância das ações afirmativas enquanto passo inicial para a
incorporação plena do cidadão negro a sociedade. A lei nº 12.288, de 20 de
julho de 2010, por exemplo, questiona e refuta a democracia racial, por conseguinte
reconhece a dominação social que existe no Brasil, na medida em que reintera o
papel do Estado, como mecanismo capaz de intervir e arbitrar favoravelmente em
prol das garantias das oportunidades.
BIBLIOGRAFIA
DOMINGUES, Petrônio. Ações afirmativas para negros no
Brasil: o início de uma
reparação histórica. In: Revista Brasileira de Educação. Maio/Jun/Jul/Ago,
2005.
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade
de classes. São Paulo: Ática,
1978,
Vol. I e II. Jornal da USP, (1998). São Paulo, 5 a 11 out., p.7.
Nenhum comentário:
Postar um comentário